Desde o final da Segunda Guerra Mundial tivemos um vácuo de revoluções
políticas de grande massa como a Revolução Francesa, ou revoluções de vanguarda
intelectual como 1820 e 1830 ou mesmo com um partido de vanguarda como as
revoluções marxista-leninistas que se espalharam pela Europa Oriental e parte
da Ásia durante as décadas de 1910-1940.
A forma de revolta que se formou no Ocidente, principalmente durante as
décadas de 1960-1970, devido a Guerra do Vietnã, a contracultura, o
existencialismo e a revitalização do marxismo por parte de Marcuse é
essencialmente a indignação frente ao absurdo da vida cotidiana. Os
protagonistas são jovens pequeno-burgueses conscientizados pela leitura
política e pela tendência da jovem guarda à revolta em relação a velha guarda.
Os universitários são os protagonistas na maioria das vezes, estes,
solidarizam-se aos trabalhadores das classes mais baixas frente as
discriminações socioeconômicas que vivem, afinal, a maioria dos universitários
tem origem em famílias que até pouco tempo eram parte das camaradas baixas.
Maio de 1968, na França, é o modelo de ensaio-geral da Revolução que
todos os revolucionários, sejam os atuais jovens sejam os agora idosos de 68,
sonham em realizar e experimentar. A revolta francesa começou na Sorbonne e
rapidamente se alastrou pelas demais universidades, ganhando apoio dos
intelectuais ligados à Nouvelle Vague e ao existencialismo sartreano. Foram,
obviamente, reprimidos pela polícia. Os trabalhadores vendo que nem mesmo os
filhos da burguesia seriam poupados, organizaram-se em greve e durante um mês
toda a França foi parada.
Barricadas foram erguidas nas ruas pelos jovens, fábricas fechadas pelos
adultos. Durante o dia ouvia-se música e discursos, durante a noite os porcos
eram soltos dos currais.
Os ventos de Maio de 68 chegaram ao Brasil no mês seguinte. A União
Nacional dos Estudantes e a União Nacional dos Estudantes Secundaristas com
apoio dos intelectuais politizados pelo Cinema Novo e a Tropicália tomaram as ruas do país
enfrentando a polícia dia e noite. Pelos muros das universidades se lia: O
Brasil será o novo Vietnam.
Toda essa revolta durou até o AI-5, assinado pelo presidente e general Costa e Silva, ou, Bosta e Silva.
Com isso, não se viu uma revolta assim por anos. As manifestações dos anos 80 foram um grande porre de liberdade e contracultura ao invés de uma revolta.
Porém, em 2013, mais especificamente em Junho daquele ano, tivemos o que
foi chamado posteriormente de "Jornadas de Junho", ou, um título
melhor e que surgiu na época como meme: A Revolta do Vinagre.
Inicialmente a revolta começou em São Paulo, contra o aumento da tarifa
do transporte público por parte do governador do estado Geraldo Alckmin com
aval do prefeito Fernando Haddad. O Movimento Passe Livre, formado
majoritariamente por estudantes da USP, convocaram as manifestações e foram
reprimidos pela PM. Durante uma semana os estudantes confrontaram-se com a PM
na Avenida Paulista e adjacentes, pedras contra balas de borracha, paus contra
porretes.
No começo a mídia foi contra os manifestantes, e com isso,
influenciou a classe média a condena-los como anarquistas baderneiros que
perturbavam nosso belo quadro social, e com isso, a periferia viu as
manifestações somente como uma birra de jovens burgueses, seus futuros patrões.
Porém, quando a repressão agrediu e cegou repórteres dessa mesma mídia,
tudo mudou. Os jornais passaram a se solidarizar com os manifestantes, os
estudantes de outras capitais do país desde o extremo-norte até o extremo-sul
foram para as ruas, foram reprimidos igualmente, e então seus pais também foram
as ruas.
Depois de duas semanas de protestos o palácio do governador, o teatro
municipal e a sede da prefeitura de São Paulo foram atacados pelos
manifestantes, as avenidas e universidades públicas das demais capitais foram
ocupadas e transformaram-se em praças de guerra. A PM reprimia cada vez mais e
recebia cada vez mais pedras em suas cabeças e gritos de indignação da
população. O Congresso Nacional era cercado pelos manifestantes toda noite e o
Itamaraty chegou a ser incendiado. Os políticos e partidos se amedrontaram, de
repente nenhum congressista faltou as sessões do parlamento, votavam projetos e
debatiam como parlamentares de primeiro-mundo. O aumento da tarifa em São Paulo
foi revogado, as militâncias partidárias que tentaram se aproveitar das
manifestações foram expulsas pelos próprios manifestantes e a revolta voltou-se
contra a Copa das Confederações de 2013.
No auge da revolta a média de manifestantes ia desde 65 mil pessoas até
um milhão. Os confrontos com a PM eram diários e envolviam diferentes camadas
sociais e organizações, a burguesia e a classe política olhavam para tudo sem
reação e tudo indicava que aquele êxtase cortaria uma ou duas cabeças.
Mas não aconteceu.
A Copa do Mundo aconteceu no ano seguinte mesmo com as manifestações continuando, não com a mesma força, mas continuando. Os movimentos liberais apropriaram-se do vácuo de poder gerado pela recusa aos partidos e figuras de poder tradicionais. A desilusão depois de tantos confrontos fez com que a parcela politizada e minimamente letrada dos revoltos fosse substituída por uma parcela mais velha, com pouco conhecimento político que baseava sua indignação e opiniões em valores vagos e saudosismo por tempos que muitos sequer haviam vivido. Três anos depois das Jornadas de Junho um impeachment abalou a Nova República e uma recessão golpeou a classe média que mal tinha duas décadas de existência e cujo poder financeiro dependia exclusivamente do consumo. Cinco anos depois de Junho uma eleição controversa dividiu o país entre os velhos partidos que continuavam focando em discursos caricatos e em um fascismo fantasmagórico contra neoconservadores que enfrentavam um comunismo igualmente ilusório.