terça-feira, 16 de junho de 2020

1968 e 2013: As Revoluções Que Não Aconteceram




Desde o final da Segunda Guerra Mundial tivemos um vácuo de revoluções políticas de grande massa como a Revolução Francesa, ou revoluções de vanguarda intelectual como 1820 e 1830 ou mesmo com um partido de vanguarda como as revoluções marxista-leninistas que se espalharam pela Europa Oriental e parte da Ásia durante as décadas de 1910-1940. 

A forma de revolta que se formou no Ocidente, principalmente durante as décadas de 1960-1970, devido a Guerra do Vietnã, a contracultura, o existencialismo e a revitalização do marxismo por parte de Marcuse é essencialmente a indignação frente ao absurdo da vida cotidiana. Os protagonistas são jovens pequeno-burgueses conscientizados pela leitura política e pela tendência da jovem guarda à revolta em relação a velha guarda. Os universitários são os protagonistas na maioria das vezes, estes, solidarizam-se aos trabalhadores das classes mais baixas frente as discriminações socioeconômicas que vivem, afinal, a maioria dos universitários tem origem em famílias que até pouco tempo eram parte das camaradas baixas.

Maio de 1968, na França, é o modelo de ensaio-geral da Revolução que todos os revolucionários, sejam os atuais jovens sejam os agora idosos de 68, sonham em realizar e experimentar. A revolta francesa começou na Sorbonne e rapidamente se alastrou pelas demais universidades, ganhando apoio dos intelectuais ligados à Nouvelle Vague e ao existencialismo sartreano. Foram, obviamente, reprimidos pela polícia. Os trabalhadores vendo que nem mesmo os filhos da burguesia seriam poupados, organizaram-se em greve e durante um mês toda a França foi parada.

Barricadas foram erguidas nas ruas pelos jovens, fábricas fechadas pelos adultos. Durante o dia ouvia-se música e discursos, durante a noite os porcos eram soltos dos currais.

Os ventos de Maio de 68 chegaram ao Brasil no mês seguinte. A União Nacional dos Estudantes e a União Nacional dos Estudantes Secundaristas com apoio dos intelectuais politizados pelo Cinema Novo e a Tropicália tomaram as ruas do país enfrentando a polícia dia e noite. Pelos muros das universidades se lia: O Brasil será o novo Vietnam. 

Toda essa revolta durou até o AI-5, assinado pelo presidente e general Costa e Silva, ou, Bosta e Silva.

Com isso, não se viu uma revolta assim por anos. As manifestações dos anos 80 foram um grande porre de liberdade e contracultura ao invés de uma revolta.

Porém, em 2013, mais especificamente em Junho daquele ano, tivemos o que foi chamado posteriormente de "Jornadas de Junho", ou, um título melhor e que surgiu na época como meme: A Revolta do Vinagre. 

Inicialmente a revolta começou em São Paulo, contra o aumento da tarifa do transporte público por parte do governador do estado Geraldo Alckmin com aval do prefeito Fernando Haddad. O Movimento Passe Livre, formado majoritariamente por estudantes da USP, convocaram as manifestações e foram reprimidos pela PM. Durante uma semana os estudantes confrontaram-se com a PM na Avenida Paulista e adjacentes, pedras contra balas de borracha, paus contra porretes. 

No começo a mídia foi contra os manifestantes, e com isso, influenciou a classe média a condena-los como anarquistas baderneiros que perturbavam nosso belo quadro social, e com isso, a periferia viu as manifestações somente como uma birra de jovens burgueses, seus futuros patrões.

Porém, quando a repressão agrediu e cegou repórteres dessa mesma mídia, tudo mudou. Os jornais passaram a se solidarizar com os manifestantes, os estudantes de outras capitais do país desde o extremo-norte até o extremo-sul foram para as ruas, foram reprimidos igualmente, e então seus pais também foram as ruas. 

Depois de duas semanas de protestos o palácio do governador, o teatro municipal e a sede da prefeitura de São Paulo foram atacados pelos manifestantes, as avenidas e universidades públicas das demais capitais foram ocupadas e transformaram-se em praças de guerra. A PM reprimia cada vez mais e recebia cada vez mais pedras em suas cabeças e gritos de indignação da população. O Congresso Nacional era cercado pelos manifestantes toda noite e o Itamaraty chegou a ser incendiado. Os políticos e partidos se amedrontaram, de repente nenhum congressista faltou as sessões do parlamento, votavam projetos e debatiam como parlamentares de primeiro-mundo. O aumento da tarifa em São Paulo foi revogado, as militâncias partidárias que tentaram se aproveitar das manifestações foram expulsas pelos próprios manifestantes e a revolta voltou-se contra a Copa das Confederações de 2013. 

No auge da revolta a média de manifestantes ia desde 65 mil pessoas até um milhão. Os confrontos com a PM eram diários e envolviam diferentes camadas sociais e organizações, a burguesia e a classe política olhavam para tudo sem reação e tudo indicava que aquele êxtase cortaria uma ou duas cabeças.

Mas não aconteceu.

A Copa do Mundo aconteceu no ano seguinte mesmo com as manifestações continuando, não com a mesma força, mas continuando. Os movimentos liberais apropriaram-se do vácuo de poder gerado pela recusa aos partidos e figuras de poder tradicionais. A desilusão depois de tantos confrontos fez com que a parcela politizada e minimamente letrada dos revoltos fosse substituída por uma parcela mais velha, com pouco conhecimento político que baseava sua indignação e opiniões em valores vagos e saudosismo por tempos que muitos sequer haviam vivido. Três anos depois das Jornadas de Junho um impeachment abalou a Nova República e uma recessão golpeou a classe média que mal tinha duas décadas de existência e cujo poder financeiro dependia exclusivamente do consumo. Cinco anos depois de Junho uma eleição controversa dividiu o país entre os velhos partidos que continuavam focando em discursos caricatos e em um fascismo fantasmagórico contra neoconservadores que enfrentavam um comunismo igualmente ilusório. 


2013 foi o mais perto de uma revolução que o Brasil chegou desde as revoltas estudantis de 1968-1969, foi a maior explosão de expectativas e energia coletiva desde essas mesmas revoltas, mas igualmente foi sucedido pela ressaca e pela precocidade que os rebeldes de 1968 tiveram com a Junta dos Três Patetas. Junho igualmente como o Maio francês ficaram na memória e no imaginário popular, mas também ficaram um tanto esquecidos. As pedras e balas que foram disparadas, as algemas e empurrões proferidos estão distantes cada vez mais, embora volta e meia reaparecem em nossa memória como um flashback quando alguma manifestação é reprimida pela PM devido ao medo da classe política. Para mim, Junho fracassou por não ter aprendido com Maio. Em Maio a palavra de ordem era: "a imaginação ao poder!" ou "o Poder tem o poder, tomem-o!". Era uma rebeldia contra o Estado como um todo, mas não apenas a ele, mas também ao mercado da sociedade do espetáculo, as grandes mídias, a repressão policial, a Direita mas também contra os partidos de Esquerda, e estes rebeldes sabiam disso, tinham consciência de seu inimigo, neste sentido, tinham a ousadia em sua consciência mas não em seus atos. Durante os protestos franceses nenhum prédio do governo, nem mesmo a prefeitura de Paris ou o palácio presidencial que haviam sido abandonados foram atacados. No Brasil não havia essa revolta na consciência mas nas mãos, o poder era atacado mas não pela sua origem maligna ou pela constante repressão policial e sim por vinte centavos, por sua ineficácia que era creditada a determinados partidos e políticos e não a todo o Sistema-Mundo e seus lacaios nacionais e por sua repressão momentânea a uma causa pequena mas justa, ao invés de se revoltarem pela opressão policial constante nas periferias.

Os franceses cuspiram mais ideias do que pedras enquanto aqui jogamos mais pedras do que cuspimos ideias e com isso a imaginação não chegou ao poder e os vinte centavos se transformaram em um real e quarenta centavos(a média da tarifa em São Paulo hoje é de R$ 4,40 e provavelmente continuará aumentando).


Anexos: documentário "Junho" de João Wainer 
Também recomendo o documentário "Junho - O Mês Que Não Terminou" disponível no Canal Curta!.
Quanto ao Maio francês recomendo o documentário brasileiro "No Intenso Agora" de João Moreira Salles; "O Formidável" de Michel Hazanavicius filme que mostra parte da biografia de Jean-Luc Godard durante 1967-1970, incluindo o Maio de 1968 e o livro "1968 - O Ano Que Não Terminou" de Zuenir Ventura.


Imagens:

A Reação

Os Revoltos                                                 

















































Os Oportunistas


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